3 de ago. de 2012

Falta

João esperava impaciente no caixa porque a velinha corcunda ainda não acabara de pagar pelo quilo de carne de segunda com o qual alimentaria seus quatro netos. O dinheiro não dava; seis reais a menos. A velha chorava. Ela precisava, sim, levar a comida. Bolsa Família sempre acaba antes do mês. Chorava. “Dona Amélia, eu não vou mais deixar fiado!” gritou o atendente. Não era de seu feitio, mas João condoeu-se. Deu seus últimos seis reais do dia à velha. “Agradecida, meu filho. Que Deus te reserve um futuro bom.”. João não queria Deus; só a habitual carteira de Hollywood. Sem cigarro, ele voltou pra casa. A velha ia na frente; mesma rua. A sacola pesava muito; João carregou-a até a velhinha chegar ao seu casebre. O rapaz seguiu sozinho a pé por mais vinte minutos; sem seu cigarro; sem o deus de Amélia. Deveria se sentir bem por ter feito algo bom a outrem? Na porta de casa, foi abordado por um menor, como ele; mesma idade. Não havia dinheiro. O menor lhe tomou seus tênis. O celular foi disputado. O menor lhe perfurou um rim e girou a faca. Alguns minutos depois, João agonizava sozinho na calçada, querendo o último cigarro. Vinte e alguns minutos depois, o menor voltou pra casa. Tragou um cigarro, tirou os tênis novos, lavou a mão vermelha e sentou-se à mesa. Seus três irmãos mais novos lá estavam. A avó lhes serviu carne de segunda. “Agradecida, meu Deus, pela janta. Que nunca falte.”.

Mergulhão

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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?