31 de out. de 2013

Brutos

Brutos se apaixonam, sim, por igualmente
brutos. Mas todos são tão
sólidos que, ao breve e leve
choque, o toque é repelido. Quando se é
duro,
penetra-se:
machuca
perfurando, mas
penetra. Então é necessário que um
intenso amoleça e se permita o amor
grosseiro lhe tomar
pulsante, em
latejo
vermelho
quente e
rijo. De
bruços, de lado, com
tapas,
traindo; não importa
 rijo.
Rompendo alma, como
estocada certa em
corpo errado.
Rasgando mitos como quem
prega o culto à
carne em templo-deus.
Queimando exato tal qual
gozo para poucos que só
brutos sabem
dar.

Mergulhão

30 de out. de 2013

Quando a beleza acabar

Você diz que me acha bom.
Quem é você para ter juízo
mais valoroso que o caráter?
O que vai ser quando a beleza acabar?
Quando o que importar for a utilidade
de cada um pelo bem maior?
O que você fará com seus potes de reboco, Helena?
Você só é de mármore porque assim te moldam.
E eu tenho nojo dos que te alimentam.
Eles não são cegos.
Cegos compram óculos escuros e briga por direitos.
Os que te adoram são tolos.
Os que te idolatram são feios
 não a gorda sem roupas caras;
não o cafuçu narigudo;
não a velha que saúda suas rugas;
não o crespo com dentes tortos;
não o estrábico desengonçado.
Eles não.
Esses são os de carne.
Você é a borboleta que amassa outros casulos.
Cuidado, Helena:
mesmo o pavão perde a pena.

Mergulhão

29 de out. de 2013

Poetinha de merda

Vai tomar no cu,
poetinha de merda,
que rima amor com dor
sem ao menos conhecê-los.
Vivenciar é preciso – sim! –,
pois viver é precioso,
necessário e trabalhoso
e tão somente diante disso
não se finge por completo.
Amor e dor se compreendem
nem que seja em testemunho,
nem que seja em testamento,
nem que seja a contragosto,
nem que seja à contradança
dessa tua vida de merda,
poetinha só aos outros
tão à merda quanto tu:
poetinha para os inhos.
Vai tomar no cu
e vê se tira então daí
prazer, mesmice ou agonia
pelos quais a ti se possa
enfim bradar “eis um poeta”.
Não te engulo, poetinha,
até louvares todo o cru,
até cantares todo o mal,
até sangrares todo o bem
pelos teus poros ilesos
que perfazem o arredor.
Vai à merda, poetinha,
e saibas que um dia ainda
eu te compro como o adubo
dos antúrios da tua cova.

Mergulhão

22 de out. de 2013

Corra, Mona

Corra, Mona, de todos os vizinhos que fuçam o seu lixo em busca das ampolas da semana. E daí se você se atrasa todo dia segundo o relógio do seu emprego de merda no Planalto? Deixe que falem de seus cabelos secos de três cores desbotadas. Das unhas pretas lascadas. Do peito esquerdo, que é maior. Dos cinquenta e sete quilos. Olheiras escuras sob órbitas míopes sem lentes. Camisas de meia e All Star encardido. Ponha os fones e permaneça em distopia com Joplin, Morrison, Björk e Manson enquanto fuma no ponto de ônibus após cada expediente. Seu sorriso é amarelo e a língua áspera e os outros não precisam deles. Na verdade, os outros não precisam mais disso. Que se fodam os outros; não, Mona? Ninguém precisa saber que todo mês você compra roupas para o abrigo em Ceilândia de onde saiu. Ou que às madrugadas de sextas você se une a desconhecidos de internet para distribuir sopão aos miseráveis da Asa Sul. O que importa aos outros o rim que concedeu à Lídia, com quem você dividia aluguel e vida – até perdê-la por causa do Clonazepam? E o coração que a ela, cúmplice, você confiou...? Que se fodam os outros entre si. Corra, Mona, dos que só creem na tevê e assim perturbam suas leituras de Milton Santos ao mestrado. Corra ao Paranoá e lamente o quão raso o fizeram. Corra à JK e escale um de seus arcos. Corra de gente acrílica que parcela imagens para espelho. Corra de penianos que não merecem ser humanos por se prostrarem a qualquer fenda de puta. Corra dos mais-do-mesmo que não se ocupam de suas bocas e dão prejuízo às estatísticas do governo. Corra, Mona, corra. Quando protestarem porque Mona corre, você lá estará adiante outra vez.

Mergulhão