27 de dez. de 2012

Retrato

Você é patético. E você sabe disso. Contenta-se com a falta do se permitir. Trepa só por causa do monitor de 42 polegadas. Trepa com aspas, com ausência de essência, com deficiência de amor que lhe poderia ser próprio. Então você se cansa do nada ou por nada ter feito para tentar mudar suas abstinências. Você se embala em redes sociais reclamando – orgulhoso – que está triste porque a vida sacaneia mesmo boas pessoas como você. E você gosta disso. E você sabe disso. Afinal, lágrimas virtuais servem para inundar o teclado e manipular fãs mais doentes que você. Você é ridículo. Romanos antigos nos dizem que o ridículo é um ser digno de escárnio. Você os lê, sim. Mas você tem preguiça de compreender e buscar mais. Se ao menos você admitisse que escárnio também pode ser gozo, você seria, assim, louvável, se caçasse mais gozo. Mas você é trágico. Você se acha pérola rara e faz do seu quarto na casa paterna a sua ostra, pagando por mil mídias a prestação. E gadgets e aplicativos e tevês a cabo e pornôs fúteis e amigos talvez fakes em algum país qualquer e álbuns do momento sem, ao menos, ter um destes que conte e cante de fato a sua vida. Tudo lá é feito para ser perfeito; para você, óbvio. Você torna lixo não reciclável a oportunidade de voar. Para romper o autocontrato do espetáculo do declínio, bastaria que você levantasse da cama já amontoada de roupas, tomasse um banho, vagasse por ruas e vidas alheias afora e colecionasse novidades adentro. É mais vendável ser triste. Você conhece o mito da caverna. Ainda que brisa fraca não mova moinhos, você vai persistir em ser o fraco suspiro de um asmático velho. Isso mata; não suicida. E você sabe disso. Tenha mais um bom dia. Para você, óbvio.

Mergulhão

10 de dez. de 2012

Tu

Quero nadar no teu sangue cristo.
Sou desses de álcool.
Sangue fino tinto suave.
Nada mais que um afogar.
Guardar teu perdão rubro no peito.
No pulmão que sobra.
O direito.
O anárquico embora foi e furtou coração.
Nunca precisei.
Só me custou remédio.
Estômago ruge porque não te como.
Sim, tu morreste e arranjei teu pedido.
Enrolei-te em seda e traguei tuas cinzas num dia nublado.
Tocava Malina.
A de Beethoven.
Mas meu ser invejou Maria.
Aquela nas rochas.
Onde ansiei causar trauma à cabeça.
Minha ou tua.
Tanto faz: eu não ligo.
Não mais.
Nem telegrama.
Nunca te tive?
Mentira, caralho.
Honra os ovos ao menos.
Ou faz deles drinques.
Sou desses de álcool.
Lembra.

Mergulhão

Poesia o caralho

Poesia o caralho.
Para de manha e te lança.
Perder tempo com rima pra quê?
Vender? Em que feira? Quinta?
Tá amando? Vai lá. Senão: pó em vento.
Odeia? Mata. Ainda que em vício de língua.
Só não deixa de ser. De ter. Querer.
Ah. Poesia o caralho. Chega por hoje.
Termina aí. De novo. Típico. Cansei. Enfim. Fim.
 Merde.

Mergulhão

Só fode

E quando quiser apenas consumo,
foda-me, amor.
Não caia em mim;
eu não presto:
trepo fácil no muro da moral,
só sirvo nu,
mesmo no carro ou na pista a ferver.
Não se lance em romance,
mal ouse o platônico.
Foda-se! “Amor”?!
À merda: uso e reciclo.
“Amor” mesmo?!
Não quero rir; só gozar.
Em ti.
Litros.
Luas.
Sachês.
Pregas.
Que se rompam todas as fibras da insanidade.
Não seja tolo a morrer de amores
nem invente menu de cardíacas dores.
Senão não sou chulo, não chupo e te chuto sem volta.
Somente me tome
por braços e pernas em laços, amassos,
em matos, tabernas.
E me preencha.
Sim, repito: preencha.
Seja rude e bem grosso
 tem de ser grosso comigo;
eu não sei ter termo e juízo.
Se for foda mesmo, apenas me foda, amor.
Afinal, para que contos de fada se se pode contar foda?
Fodâmo-nos.
Depois fecha a porta.
Tá?

Mergulhão

9 de dez. de 2012

Eros bufão

Seu cupido mui maldito,
veja só o que você fez:
Foi certeiro dessa vez;
enfim trouxe-me acalanto!

Deu-me nova cor à tez;
para meu total espanto,
antes mudo agora canto,
hoje o amor me é cortês.

Eu, errante mundo afora,
num sofrer de cruz adentro,
tive a vida como o antro
da sadista dor de outrora.

Sou-te grato até o fim,
meu flecheiro mui bendito.
Pois conheço o infinito,
leve vou em voo em mim!

Mergulhão

Noel,



seu filho de puta,
presta mais atenção no teu trabalho.
Na rua onde moro existe um abrigo. Coisa de igreja; acho. Lá moram crianças ali jogadas por suas parideiras. Crianças que só precisam de sonho que as nutra. Elas estão cinza, Noel. O cinza do descaso. O cinza do alto muro que as cerca em farpas. O cinza da catarata social. A cinza do carvão que meramente queimam apenas pra manter a máquina.
Crianças que viraram estátuas. Obra pra se vê de vez em quando; quando um casal vem ver, mas não volta outra vez. Mão-de-obra para o descuido. Crianças em varal que, sob dia cinzento, não conseguem secar e, assim, ficarem leves. Secar de quê? De lágrimas, Noel. Lágrimas de quem nem colo tem. E leves pra quê? Pra bons voos distantes.
Deixa eu te repassar uns dados: segundo o Conselho Nacional de Justiça do Poder Judiciário do Brasil, até 11 de outubro de 2012 havia 5.400 crianças e jovens para adoção. Desse total, 4.300 estavam na faixa etária acima de 9 anos.
Não acredita em mim, Noel? Então faça a fineza: http://www.cnj.jus.br/cna/View/consultaPublicaView.php.
Vê? É muita andorinha que mal voar sabe. Só o que te peço é dar-lhes brinquedos de boa qualidade: mães e/ou pais sob quaisquer formatos.
Um sonho que as nutra, Noel, lembra?
Por fim, deixa eu te contar uma história que comecei a escrever há alguns meses: sabe aquele teu lúdico amigo Coelho? Pois bem; castrei-lhe os ovos; chocolate vende. Desde abril ele não aparece por aqui. Dei rasteira em Pererê. Fiz sapato e bolsa de Cuca. Fada dentária? Hum; frescura; deixei banguela. De mesma forma ficou Cinderela. Entendeste, Noel? Um sonho que as nutra... Nada de pena ou coita ou dó ou dor.
Então que ao menos tu tenhas êxito. Tu tens até dia 25.
Estás avisado.

Atenciosamente
e em constante vigilância,
Claus, 43;
um bom ex-menino-de-rua, sim;
um sonhador calejado.



Mergulhão

Doce e denso céu

Quando se é muito denso,
ninguém mergulha.
Ninguém consegue.
Não afunda.
É física.
Culpa alguma aos (dois) físicos: é física.
Quando se é grão de areia,
olhos alheios machucam.
Então a mais doce gota do mel que escorre da abelha em voo
faz tudo grão de açúcar
com o qual se tempera sonho
que se deposita no coração
realmente faminto
e de chance sedento.
Quando se vê estrelas,
nada mais basta
e se arrepender não adianta:
compreende-se o céu.
Bem feito, amante...
Bem feito!

Mergulhão

5 de dez. de 2012

Recomeço

Chega de pensar na perda:
eu quero ombros, um afago lento,
toda a hora que por medo foi perdida.

Chega de falar de choro:
não quero pranto, súplicas, tormento,
não quero ser fraco ou poço em mau agouro.

Chega de gostar de dor:
eu quero brisas, cabelos ao vento,
fortes esperanças de um novo amor.

Chega de colher angústia:
sonho com doce melodia em canto
tão reconforte que só dê alegria.

Chega de ficar sozinho:
eu quero flores, nuvens, serenatas,
minha Lua em prata sobre meu caminho.

Chega de esperar por nada:
desejo risos, sonetos, sonatas,
chocolate quente em noite então gelada.

Chega de vãs utopias:
quero certeza de novas conquistas,
entender o crível com mil fantasias.

Chega de morrer aos poucos:
a vida é bela e dizem os sofistas
que viver morrendo é coisa para loucos.

Mergulhão

Um mais um somar

Tenho o sorriso que supera o rosto;
cunho a vontade que agride a goela;
planto o desejo que no peito explode
e bem ligeiro eclode
na paixão mais bela:
não mais saber então caber-se em si;
não mais poder assim calar-se, a si,
e acolá cantar de lá a si
por ti, por mim, por nós com voz sem fim
e tão somente amar;
simplesmente deslizar no mar
da sábia vontade,
em reciprocidade,
de um mais um somar.

Mergulhão

4 de dez. de 2012

Humana intervenção divina

O homem temeu a brevidade da vida
e assim fez nascer a imortalidade.
O homem julgou a matéria da carne,
por isso criou a essência da alma.
O homem odiou o mero morrer em terra,
portanto perpetuou céus e inferno.
O homem desconheceu o próprio homem
― então cunhou deus.



Mergulhão

Apaixonado

Hoje enfim nasce aqui meu amor
e com ele surge perfeição.
Como cabem num só coração
alegria e paixão em torpor?

Hoje guia-me à luz tua mão;
dá-me sopro de vida o calor
dos teus braços que dissipam dor:
eis nós dois em sublime união.

Ultrapasso do céu a leveza
quando tenho-te assim comigo;
mesmo a rosa me inveja a beleza.

Tudo isso me causas, amigo.
Cultivemos nossa chama acesa,
pois preciso de ti, eu te digo.

Mergulhão

28 de nov. de 2012

Roubando

eu roubo a Lua Cheia e a ponho
na ponta de sua orelha
roubo depois a Minguante e dela faço o seu sorrir
eu roubo a nota aguda da goela do canário
o bocejo grave da garganta do cachorro
e os coloco pairando no ar que também roubo
eu roubo os acentos de solitario e so
para que percam a vida e tragam de volta a minha
e também roubo a pontuação no fim de cada linha
eu roubo os hematomas de um coração partido
a sorte do trevo e a insustentável leveza do ouro
eu roubo o conselho do novo sábio amigo
eu roubo a gota de uma nuvem chorosa
as estrelas da bandeira e de um céu limpo
roubo um raio do sol dourado em filete
eu roubo um quadro em branco e pena e pergaminho
a vontade de dar vida por mil dedos
e assim ter mais coisas para roubar
então eu roubo você de mim
e te ensino a fazer o mesmo para que possamos
continuar o eterno ciclo de roubos e roubos

Mergulhão

Cadê você?

Na falta de abraços, cadê você?
E fico a procurar por todos os cantos
a lembrança de quando éramos.
E fico tentando crer que nada disso é proibido a nós,
ouvindo bem perto sua voz,
sentindo seu gosto em minha boca,
apenas esperando o telefone tocar ao som daquela música.
Momentos breves em complementação
mas a eternidade ao nosso lado então
permitindo que o nosso ser crescesse.
Ah, se ao menos você soubesse
o quanto dói o seu adeus, a sua partida,
se você quisesse unir-nos mais em vida,
ficaria sempre aqui e assim,
daria nova essência de viver a mim.
Não só leves instantes de indecisos laços:
não me deixaria viver na falta de abraços.
Cadê você?

Mergulhão

Trovas modernas

Um longo sofrer d’amor
e paixões d’almas provincianas,
coitas de mui clamor
à luz d’estrelas urbanas
em ponto algum se diferem
quando o que em jogo é suspiro
posto entre dois que querem
ser mais qu’amigo ao outro.

Ora, tal dor qu’atravessa
ondas de longes mares,
qu’inibe voo de atíria e vanessa
sobre alvas flores;
ora, dor que seca erva daninha,
qu’atinge até quem já morreu,
não deixa que sejas senhora minha,
nem qu’eu me faça senhor teu.

Maldita cousa inventaram,
esse troço qu’é o amor!
São poucos insanos qu’entram
por essa porta d’ardor?
Maldita és tu, mau sou eu
por não termos sido apenas amigos...
Suicídio qu’enfim se deu:
coita da falta d’amor e d’afagos.

Mergulhão

Minhas passadas mulheres-ditongo

Da sapiência de Tzara eu ainda sofria;
mais forte era a não cessante agonia
do fim há pouco latente,
agora ocorrido delírio demente,
do abandonar que me causou Sofia.

Como posso perecer na falta de porfia,
nesse empecilho mental que angustia
e me torna tísico, doente,
muito insana e irreversivelmente
preso à ausência de Ana Lia?

Então me encarcera vivo a carência
do que um dia me foi Amália,
quem me deu amor pujante
e intensa crença no presente
hoje total, de mim mesmo, insuficiência.

Por quê, pergunto (se ela sabia!),
por que brincou assim Rosamaria?!
Cravou-me, o sangue quente,
estaca em brasa em prata ardente,
traição a qual não merecia...

Destruído coração que outrora batia,
moído por Tânia, Sônia, Vânia e Núbia,
nem direito hoje em dia bate,
mal pulsa, responde ou vê-se contente:
tem a vida agora por mera utopia.

Esqueça-me, Antônia! Morra, Marília!
Definhem todas sem graça e alegria,
pois se de tudo estou desistente,
culpa de vós!, que impiedosamente
fizeram-me dar até o que eu não podia.

Mergulhão