24 de nov. de 2014

Pré-lápide ao falso niilista

Toda vez, eu, sozinho
no lusco-fusco da consciência,
jogado à janela dedilho fios de lembrança morta,
invisto tempo à perda lenta deste
através de poemas de amor de amigos
quase em coro coroando-me à coita
 sem o saberem, creio eu; ou quero 
e repenso em ti.

Materializo teu rosto pairado suave
a heretizar os dogmas da física do universo,
ao ascender a uma estrela já encarnada
a me olhar de esguelha sem brilho
com toda a carga do querer no viés do fim
desbotadamente intravenoso
como a não flor que brota de esgoto
nem ousa sequer tentar sonho à Lótus.

Portanto, eu, escoltado
pelos demônios da aurora da demência
apego-me sem prego em cruz,
travisto-me do passo futuro
manuscrito mui lustros-luz ponta a ponta de meu destino
e em drama hedonista eu clamo Tânato a Leto
e em trama egoísta eu dou insumo ao caos
porque repenso em ti

porque te atesto além da gravidade
do desrespeitar das leis do coração do homem
tal qual potestade que brinca com excesso de fé na beleza
de quando a gente era pleno e somente nós
ao que eu (antes tolo: nem pronome errava)
me lanço cínico ao canto cinéreo do ciclo vazio,
me sinto insensível ao soro dessa dor tão clínica,
me odeio por ainda assim te amar de soslaio.


Mergulhão

30 de out. de 2014

Distratos

Nazaré sonha com os abortos.
Silva não diz uns nãos.
Penha não denuncia Masoch.
Manfred não perdoa a filha.
Edy não faz o exame.
Eros nega divórcio.
Bela não sai da cama.
Agenor mistura Old Parr e AZT.
Jeová não nomeia o bastardo.
Zacarias se esquece do espírito.
Esperança vicia-se em mágoa.
Sofia almeja salário mínimo.
Josafá devota fariseus.
Alma se veste.
Lara não emprega surdo.
Isabel não emprega preto.
Lira não entrega métrica.
Jair veta viado.
Silas penetra vaginas;
também Marco; e Jair. E Levy Casado/22. 
Acabe bolina Neto, o sobrinho.
Jesús não visita o pai.
Deewa Ginna Pusce teme cirurgia.
Vitória Narcisa descrê da depressão.
Você não finda igual.
Você não finda igual


del Praga e Mergulhão

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 2: A paixão de Meu Eu.

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 2: A paixão de Meu Eu. 1 O amor é uma força fundamental. 2 Quando dois corpos de fato colidem, independente das cargas da vida, 3 há interação que transforma o real querer-se em mais vida. 4 Uma vez (mal) criado, Meu Eu não tem forma e, por isso, aspira o amar. 5 Meu Eu compreende ser necessário provar do banquete que é amar. 6 Assim – voraz, tolo e virgem –, 7 come Eros aos nacos e saboreia porções de Psiquê, 8 com Ludus e Ágape nutre a faminta e maníaca limerância. 9 Meu Eu faz-se presente quando ama, 10 pois aquele que não ama só merece adeus. 11 Por temer adeus, Meu Eu saúda amor todo dia, 12 amando como se aquele instante existente persistisse em ser eterno. 13 Meu Eu aprende que o amor em verdade consome quem teima tê-lo: 14 o amor bolina; 15 o amor perfura; 16 o amor agride; 17 o amor espanca; 18 o amor bocage; 19 o amor byron; 20 o amor shelley; 21 o amor goethe; 22 o amor schiller; 23 o amor zorrilla; 24 o amor chopin; 25 o amor tchaikovsky; 26 o amor garrett; 27 o amor castelo-branco; 28 o amor de-passos; 29 o amor calasans; 30 o amor de-azevedo; 31 o amor de-abreu; 32 o amor de-alencar; 33 o amor manuel-de-almeida; 34 o amor drummond; 35 o amor vinícius; 36 para, após ímpeto e tempestade, lançar, depressão abaixo, o espírito inebriado. 37 Então o amor falha. 38 Sim, o amor falha. 39 O amor sempre falha por não saber estar paixão. 40 Paixão é antimatéria; 41 desafia a razão do átimo-viver e toda a existência consome. 42 Paixão tem de ser em gota 43 para não – matéria escura – enganar olhos na penumbra. 44 Ser paixão, pois, é suicidar; 45 pois estar paixão é comprometer-se depois. 46 Paixão é força motriz do ejacular do amor. 47 Paixão é combustível à labareda de quem ama. 48 De onde se emana calor. 49 E refaz-se a luz.


Mergulhão

29 de out. de 2014

Mimesis II

Se você fosse um porquinho da Índia
e se enamorasse por outro de espinho,
perdoaria com dores veladas o selvagem amante por seu vil carinho?


Mergulhão

Mimesis

Se você fosse uma estrela no mar
e se apaixonasse por outra do céu,
embarcaria em viagem só ida sem bússola ou asas nem carta estelar?


Mergulhão

19 de out. de 2014

Barda, torpe trova

ímpar arte de se embriagar consigo
ao banco dum bar segunda
do fingir que a cidade é fria às onze
Elis-Piaf extrema à vitrola no pulmão meu que resta
oitavas que nem Mado Robin se atreve
o divagar da existência devagar
garrafa vazia de alvo a bituca
testemunha do trânsito fluorescente
do céu incandescente
de pernas deliberantes
das dores dos cotovelos dos vizinhos de boemia
que se inebriam de sua voz em euforia-alaúde
sua beleza
sua liberdade
sua verdade
seu amor


Mergulhão

24 de set. de 2014

Anarco-íris

Não m’venhas com dor,
incolor,
pois entretons muito somos:
o verde que tu poluis
é o mesmo qu’em teus pulmões;
o negro que tu abnegas
luziu no olhar de tua mãe;
o branco que tu desdenhas
satura os ossos de todos.
Pena de ti,
incolor,
que não pincelas nem prismas,
não comoves ou temperas,
que mal espectra humano
e como um anarco-íris
teimas anular anil,
violentar violetas,
calar o jazz e o blues,
cortar laranja no pé;
coagular os vermelhos
dos cachos de Mary e Kika,
do botão da jeans florida,
de quando o sol já boceja.
Sai do teu quartzo
incolor;
respira o mundo à varanda
para que tu possas outro
 cuja paleta é sem cor 
arcoirizificar.


Mergulhão

18 de set. de 2014

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 1: A criação de Meu Eu.

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 1: A criação de Meu Eu. 1 A produção textual é a transcrição fictícia proveniente da observação do mundo físico 2 e de todos os outros mundos fictícios que o mundo físico cria. 3 É fictícia a transcrição porque nunca se descreverá com totalidade a observação do mundo físico 4 porque aquele que se propõe ser produtor textual não será nem estará observador de todo o seu mundo físico 5 por causa de sua efemeridade diante do tempo e da falta de meios atrelados a este seu tempo 6 para que o observador possa, então, produzir, da observação, texto que reflita a totalidade de seu mundo físico. 7 Assim, a sua efemeridade diante do tempo e a falta de meios atrelados ao tempo 8 provocam coercitivamente, àquele que se propõe ser produtor textual, a necessidade de selecionar o que lhe é conveniente, para que o observador possa, então, produzir texto. 9 Produção textual, esta, que, na verdade, será transcrição, pois. 10 O que torna o observador do mundo físico, na realidade, transcritor; 11 não escritor. 12 Transcritor por seleção coercitiva condicionada ao observador que se propõe ser produtor textual. 13 Não que tal transcrição, sob juízo de valor, seja incompleta 14 – incompleta ou quaisquer classificações afins à incompletude e/ou dela derivadas. 15 Na realidade, é a única forma de se produzir texto quando se é condicionado a sua efemeridade diante do tempo e da falta de meios atrelados a este tempo. 16 Então diz-se produção textual apenas pela macrovisão deste processo 17 para se evitar juízo de valor proveniente do detrimento e do privilégio por sua vez provenientes do juízo de valor proveniente da proposta de paralelo aos atos escrever versus transcrever 18 – e/ou descrever versus transcrever e/ou escrever versus descrever e quaisquer outros atos resultantes da observação do mundo físico – 19 que sejam propostos à atividade da produção textual. 20 Sob a perspectiva da observação, 21 cabe dizer que, caso o seu mundo físico crie mundo fictício, o produtor textual será subtranscritor. 22 Sob a perspectiva de sua efemeridade diante do tempo, 23 cabe dizer que o produtor textual é um provisório transcritor de seu mundo físico. 24 Sob a perspectiva da falta de meios seus atrelados a sua efemeridade diante do tempo, 25 cabe dizer que o produtor textual é um parcial transcritor de seu mundo físico. 26 Aquele que se propõe ser produtor textual é um transcritor observador subalterno, 27 provisório 28 e parcial de seu mundo físico. 29 Aquele que se propõe ser produtor textual de mundo fictício é transcritor observador mais subalterno que o transcritor observador do mundo físico 30 – é, também, não provisório e não parcial enquanto o seu mundo físico criar mundo fictício. 31 Como todo mundo fictício depende de criação que o mundo físico cause, 32 cabe ao subtranscritor ser, antes, transcritor 33 enquanto lhe for possível ser observador subalterno, 34 provisório 35 e parcial de seu mundo físico. 36 E faz-se a luz.


Mergulhão

Olaria (ou Tolete)

Sim, de barro nós somos,
pois por Deus fomos moldados
à Sua Imagem em espelho-narciso:
de Seu Corpo em primários resquícios
ao Seu Ânimo sopro abstrato.

Se do barro vingamos,
por deus fomos, pois, cagados.
Criados se viver não é preciso?
Quem, logo, elaborou princípios
se não houve outra parte ao contrato?


del Praga e Mergulhão

P.s.

Preciso me apaixonar
pela primeira vez
de novo
pelo mesmo
novo
que primeiro
tanto precisei
para me apaixonar
que pela primeira vez
me apaixonei.

P.s.:
Amor assim
eterno
é terno enquanto dura
tanto que dura assim
um infinito ali
mais um infinito lá
e outro
e outro
e...


De meu amigo
Jairo Mouzzez.