29 de jan. de 2014

Arlinda

Venhe e seje minha macaquinha!
Arranha tua unha na minha costa
pra mim guardar tua marca de tuíra.
Me sorre aquele riso sem três dente
e beija sem a escova da manhã.
Deliro quando deita toda nua
no pátio ou lá na área da cozinha
preu apalpar teu bucho de cerveja
e brincar de pinçar teu bico esquerdo,
que é mais tortinho e preto que o direito.
E quando teu olhar me segue a esmo,
não sei se por sonhar ou por ser vesga?!
Tu é o meu quintal de paraíso,
mais bela e deusa que Circe e Medusa!
Com quem mais cataria cravo e lêndea?
Quem mais aceitaria meus seis filho?
Quem mais disputaria peido em rede?
E quando toma banho em caixa d’água
lavando tuas calcinha com meu lenço?!
Já disse que te adoro bem loirinha
doirando pêlo à laje da vizinha?
Me deixa eu se perder no teu cabelo
do suvaco, do umbigo até a virilha.
Mas somente uma súplica que faço,
pois nem com essa Cão Tinhoso pode:
uma coisa é roçar monocelha,
outra coisa é nós dois de bigode.

Mergulhão

23 de jan. de 2014

(In)visibiliumanidade

A invisibilidade do Homem é uma bandeira
que não tremula porque de sopro não necessita;
basta fôlego em pulmões dispostos a só correr.
Flâmula que por holofotes não se enverga
como mariposa tola em candeeiro de varanda;
resta a luz dos astros sob o firmamento-registro
e testemunho de memória-infinito em expansão.
Estandarte que é o maior de todos na ideologia,
mesmo que mero elétron a estatísticas de Estado.
Ainda assim bandeira em puro linho e nobre seda;
eia!, compromisso e fé os quais motivam pavilhão!
Feliz da humanidade que agradeça não saber
onde se fundamentam lábaros nunca visíveis.
E para todos os outros tantos felizmentes,
a essência do invisível é assim permanecer.
Pois antes do ser gay ou não-gay se descobrir,
antes do ser negro ou em tons descolorir,
antes do ser filho por criar ou do parir,
antes do ter Cristo ou em deuses investir,
antes de vaginas e buracos consumir,
antes do estar rico ou por dinheiro ferir
― plenitude só reside em simplesmente humano ser.
Porque a visibilidade do homem é corriqueira.
Opaca; no máximo forçado, translúcida.
Pois os homens têm a alma como olhos de ciganas
errantes, insatisfeitas, oblíquas, dissimuladas.
Isso quando admitem-se, claro, que a possuem.
O homem visível é ator doado ao social
pois assim nunca se morre já que é assim que mata;
sem perceber que suicida então, também, por fim,
se não por estrelato, por hiperatividade
de cegueira voluntária por ter visibilidade.

De Mergulhão,
para Menezes e Paraense.

20 de jan. de 2014

17 de jan. de 2014

Capitulina

Começa na escola:
eu jogando bola,
você na gangorra;
recreio, adoleta
com salada-mista,
rolés na garupa.
Crescemos unidos,
vizinhos colados,
nas chuvas dos nus.
A cada Ano-Novo,
a gente de novo
casava em segredo.
Chegou tempo adulto;
querer infinito
rendeu corpo mútuo.
Mas rotina em contas,
silêncios, suspeitas
e sutis pedradas
fez, do mel, vinagre
do qual meu alegre
amor-colibri
sorveu tolo e cego,
sangrou pelo ego
sem mais regozijo.
Sua pele mentiu:
ao meu toque riu
a um que não eu.
Trocou-me por Zé,
Zulu do Tripé,
Tomé, Désirée...
E nossas memórias
não passam de histórias
de coitos atrás
da igreja em vigília;
do teatro, à coxia;
do banco do Fusca.
Assim, antes bento,
dos céus o mais santo,
em ódio me afundo.
Enfim aos cinquenta
(nos cabelos, tinta;
fraldão; dentadura)
você reaparece
feito quem se esquece
qu’amor de verdade
 como o que te dei 
ao descumprir lei
não dura um haicai.
Então, sua vadia,
nem mais poesia
você de mim tira.

Mergulhão

9 de jan. de 2014

Ninho

Olha só, minha morena,
a gente bem que poderia
só morrer aos cento e vinte.
Lembras qu’o amor veio assim,
chegou instantâneo assim
simples e rápido ao ponto?
Digo mais: nos foi certeiro;
cri em ti e ainda creio.
Como aquarela em linho
destilada com teu riso,
num passado eu bem te li
e até hoje eu mui te leio.
Desse jeito te fizeste,
tu, a mim, perfeito ninho.
Todo amante sem vergonha
sabe que quando é sem plano
sobra-se amor inteiro.
Não brinco de bem-me-quer,
pois não firo margaridas
nem sou de violar violetas.
Não consulto cartomantes,
pois me bastam tuas cartas
sob as quais ensaio ninho
durante rotina errante.
Então vem, morena minha;
vem boêmia, solta e livre.
Deita e aninha teus cabelos
no meu peito, faz cachinhos,
molda-me homem-menino
e te entorpeço em cafuné.
E mesmo que a cara insônia
reine madrugada afora,
quando enfim sono te cansa,
eis que acordas girassol
 procurando nosso céu
em nossa tela-janela 
e te moves
e me olhas
e me beijas
tão deveras
que me faz sobreviver.

de Mergulhão,
para Raehli Hage.

8 de jan. de 2014

Rewriting verb to live

by Mergulhão


Person:  everybody
Tense:   present and future forever and ever
Aspect:  it’s simple (can’t you see?)
Gender:  human being form
Voice:   top, bottom... (whatever)
Number:  papa-mama (2) or ménage (à trois) or one over one or 69
Mood:    now!



7 de jan. de 2014

Caça-coração

Entenda, coração,
que ontem o caçador
hoje é manhosa caça
porque se permitiu.
Às vezes é sadio
sentir que é vez do alguém
roer-se de paixão,
bater cabeça em mesa,
doar-se como Werther,
salvar-se feito Ismália,
imaginar duendes.
Qual mais gozo haveria
se mel platonicista
fosse só de uma abelha?
Quando se caça apenas,
do amor logo descrê,
o caçador falido.
Mas Eros é mais sádico:
assim coração-caça
incorpora o coitado
a travestir-se alvo
a ficar esperando
 boate, esquina e bar 
o tiro então certeiro.
Vai lá, coração, caça,
qu’eu já tô cá quietinho,
exato no rebote.

P.s., meu querido:
também sei atirar.

(E só mais um p.s.:
atiro em coração.)

Mergulhão
 

6 de jan. de 2014

Mô de verdade
‘inda que loooooon-
-ge nem se foi!

Mô com saudade
amanhã volta
a te dar oi.

Mô-plenitude
ao se esvair
mata que mói...

Mô de atitude
empina corpo
à la cowboy.

Mô com amizade
imortal fica
e não corrói.

Mô de bondade
enfrenta o mau,
torna-se herói.

Mô com vontade
encrava o dente
e nunca dói.

Mô-liberdade
é o que em teu ser
asas constrói.

Mergulhão