11 de dez. de 2015

Devem ser poetas os que querem

Devem ser poetas os que dizem.
Muito mais poetas os que mentem.
Sei que são e tão como os que vivem,

pois apalpo a carne que eles sentem.
Devem ser poetas os que querem.
Muito mais poetas os que forem.
E se rasgam o papel como se ferem,
perco as contas das linhas que entristecem.
Devem ser os poetas como enchentes,
encharcados de dor mais do que cabem;
e se ousam do amor mais do que sentem,
é o amor, por mentir, mais do que calem.



De Bruno Muniz,
quem releio.
(http://www.recantodasletras.com.br/poesias/5434410)

25 de nov. de 2015

Lição III


Quando o amor for flor de cor de dor
como crisântemo em cova,
dê lírio.

Quando não mais se ouvir passarinho,
roube um piano de cauda;
sê Tom.

Quando a razão se insinuar direita,
lembre-se do coração:
canhoto.


Mergulhão

Madona Hedonê dos Prazeres LTDA.-ME

É só hoje na baiúca
lá da Rua Coração:
corra e vá trocar seu Nunca
por uma nova Paixão!

Agradecemos a permitência.
Vou-te sempre.

Eros Neto
Gerente


Mergulhão

29 de set. de 2015

Sacrofício

Ele odeia acordar cedo. Ter de trabalhar. Abriu os olhos. Deitado, espreguiçou-se. Fumou. Bateu punheta. Gozou na barriga. Afastou a perna direita da puta que estava em cima da sua esquerda. Levantou-se. No banheiro, selecionou louvores populares para tocar repetidamente no celular. Cagou. Escovou os dentes sob chuveiro. Voltou ao quarto. Vestiu-se. Mirou-se no espelho do porta do armário. Seu reflexo lhe devolveu olhar de nojo. Apertou o nó da gravata slim fit que devia ser amarelo ouro porque era Páscoa. Ele viu seu reflexo andar até a puta, bolinar seu grelo, cheirar os dedos, encaminhar-se à porta do cenário-imagem refletido no espelho e sair do aposento. Ele permaneceu ali por três horas até seu reflexo retornar lá do fundo, parar diante dele e afrouxar o nó à garganta. Ele afastou-se do espelho. Despiu-se. Deitou-se. Acordará domingo próximo para repetir os mandamentos junto às ovelhas.


del Praga

25 de set. de 2015

Família:


( ) Homem e mulher?
( ) Por que não mulher primeiro?
( ) Mas é macho peniano?
( ) Pode mulher com culhões que muitos homens não têm?
( ) E homem, tem que ser o peludo ou o com barriga de parlamentar?
( ) Vó analfabeta com 9 subnutridos e esmola de R$ 788,00?
( ) Viúvo com gêmeos cujo parceiro mataram na Augusta?
( ) Fernanda fertilizada por óvulo de Olívia e esperma sem nome?
( ) Trio poliamor e dois chihuahuas? Obs.: ainda decidem se engravidam; os cães.
( ) Bebê que será abandonado e depois adotado por Isa e Nana?
( ) Velho que jogarão na rua ao qual um Sem Pai Silva proporá lar?
( ) Pode virgem emprenhada por bênção?
( ) E santa estuprada por negligência? 
( ) Filho de puta solteira?
( ) Mãe solteira largada por aquele filho da puta?
( ) Mãe orgulhosa do filho adotivo que hoje deputa?
( ) Eternos órfãos de mãe gentil.


Mergulhão

23 de set. de 2015

Coletivo

Pudera eu

Pudera eu andar nas ruas.
Pudera eu andar nas ruas de mãos dadas.
Pudera eu andar nas ruas de mãos dadas com namoradx.
Pudera eu andar nas ruas de mãos dadas com namoradx e não morrer por isso.

E se, ainda assim, eu tivesse de morrer, que fosse por amar.

(mas)
Eu posso

Eu posso andar nas ruas.
Eu posso andar nas ruas de mãos dadas.
Eu posso andar nas ruas de mãos dadas com namoradx.
Eu posso andar nas ruas de mãos dadas com namoradx e causar evolução.

E se, ainda assim, eu tiver de morrer, que seja por lutar.

(então)
Poderá você

Poderá você andar nas ruas.
Poderá você andar nas ruas de mãos dadas.
Poderá você andar nas ruas de mãos dadas com namoradx.
Poderá você andar nas ruas de mãos dadas com namoradx por muitxs já terem morrido por revolução de amor.

E ainda assim você morrerá:
depois de muito
andar nas ruas
de mãos dadas
com namoradx.


Mergulhão

27 de ago. de 2015

Imperioso

Quando amor desprojetar
e abstratos refletir,
transmuta-te tu
côncavo
a complexo
sem eixo.

Quando amor se transbordar
a não mais margem caber,
permuta-te tu
a 3
de quatro
às 6h09.

Quando amor enceguecer
por paixão visualizar,
transmite-te tu
em Braille
de odor
e som.

Quando amor desnovelar
ou sem fio for fenecer,
permite-te tu
meu eu
contigo
em nós.


Mergulhão

19 de ago. de 2015

it etc.

- Tô afim.
- Desiste.
- Ele não é gay?
- Vive com a Ju.
- Ju? De Juliana? Jurema?
- Jussiê.
- Jussiê? Mas... isso é homem ou mulher?
- É a Ju.
- Quê?! Tá: tem pinto?
- Não vejo. Acho que tem.
- Então é homem!
- Só pelo pinto?
- Claro, porra!
- Hum. Bom, ela mija.
- Mas por que “a” Ju?
- Ela gosta assim.
- Então é tipo Madame Satã?
- Não.
- Ele não se monta? Tipo tia Silvetty? RuPaul? Elke?
- Não.
- Boy George? Gaga? Björk? Bowie?
- Não.
- Ah, caralho. Ok. Ele é tipo Andreja Pejic ou Knauerova?
- Nem Tilda Swinton nem Elly Jackson do La Roux nem o filho mais novo de HermiRony no finalzinho do HP7 parte 2.
- Só me diz se ele vai tirar o pau...
- Cara, não sei nada sobre o pau dela!
- “Dela”! Para com isso! Mas que coisa!
- Tu que pergunta.
- Tu que não sabe dizer se é amapô ou não, idiota!
- Pra quê?
- Pra ver se é homem!
- Só pelo pinto?
- De novo isso?!
- Ok, se tu só vê assim.
- Bi, quero saber se o Fê é gay! Só!
- Ele é da Ju.
- Que é homem.
- Que é a Ju. Que é dele. Já falei. Melhore.
- Puta merda!, a falta do it...
- Ou do etc. em ti.


Mergulhão

17 de ago. de 2015

Ei, machista,

eu tenho esposa. Não preciso do teu pau
e não por falta do teu pau eu a tenho:
por presença de amor.
Ainda que eu fosse dona de casa, machista,
primeiramente seria porque sim;
seria por efeito dos trabalhos que exerço;
propriedade minha
como o corpo que tatuo,
como as calças que costuro,
como a cabeça que raspo,
como o aborto que sugiro.
Passou o tempo, machista,
de teu estupro doer mais que o gozar de meus direitos.
Tu queres ter vislumbre do retrato que te afronta?
Olha à volta! Sou o povo
em preto e branco e colorido
que dentro de um mesmo eu
é homo, pluri, é inter, pan,
é mulher, trans, é homem, sapiens;
filho da puta mãe gentil que acolhe mesmo sem parir.
Guarda o que eu falo, São Machista:
vem com ódio e faço amor sem cartilha ou divisão,
sem calcinha, com a mão
e a certeza de gritar ao mundo inteiro “hoje eu venci”.


Mergulhão

14 de ago. de 2015

Respeite o velho

A corcunda do velho é o peso do mundo.
A catarata do velho é uma falha no SUS.
O infarto do velho é o ócio em seu vício.
A surdez do velho é o dar ombro às dores.
O fedor do velho é a escolha altruísta.
A ruga do velho é a noite em vigília.
O calo do velho é o ovo sobre à mesa.
A variz do velho é a busca por empregos.
A mancha do velho é mais busca por empregos.
A solidão do velho é a injustiça do ciclo.
A demência do velho é a carga das vidas.
A corcunda do velho é o peso do mundo.


Mergulhão