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"O mosaico dos raros"; organização de Marvin Cross.
Contos
de jovens escritores de Macapá/AP.
Confira
textos e autores:
Sobre Gavetas de Tiago Quingosta
Carmem e a chuva de Marvin Cross (org.)
Tagore
de Prsni Nascimento
Casa Colonial de MK Santos
A vida é um roteiro de quinta de Rodrigo Mergulhão
A passagem de Genniffer Moreira
Sua Música de Samila Lages
Flamejar de Lara Utzig
O pintor de Rodrigo Ferreira
______________________________
A vida é um roteiro de
quinta
Tom
era um garoto solitário em seu universo particular. Contrariando convenções,
preferia Hawking, Hobsbawm e Kurtz aos irmãos Grimm ou Monteiro Lobato. Debatia
na internet a teoria das cordas e descobertas de estrelas anãs. Nas horas
vagas, era astronauta. E foi em uma de suas viagens errantes que conheceu
Klwyngoom X.
–
Pequeno terreno, eu sou Klwyngoom X – falou o habitante de Adrasteia, um dos
satélites de Júpiter. – Tenho uma mensagem ao seu povo mundano.
–
Venha comigo à Terra! – convidou Tom.
A
chegada de Klwyngoom X à Terra causou furor. O evento era o desvario perfeito
dos contextos spielberguianos. O extraterrestre foi tachado de ameaça
universal.
–
Infestações terráqueas, trago-lhes uma mensagem – falou Klwyngoom X diante do
mundo. – Cuidem de seu planeta. Pólos derretem. Águas se esvaem. Ar acinzenta.
Florestas desbotam. Vocês morrerão.
Ao
fim da declaração, todas as nações da Terra atacaram o ser estranho. Para
salvá-lo, Tom fugiu carregando-o no cesto de sua bicicleta, que voou ao espaço.
Na estratosfera, Tom foi crivado por submetralhadoras e morreu; Klwyngoom X
estava só. Ele não compreendeu o ser humano; o homem era mesmo animal sem
razão. Ele precisaria voltar logo para Adrasteia. Infelizmente, escorregou do
cesto da bicicleta e viu-se caindo, caindo...
Santiago
acordou suado. Que ridículo! Havia sonhado que era um alienígena chamado
alguma-coisa-xis! Realmente, ele precisava de ideias melhores. Há muitas
semanas, Santiago lamentava ainda não ter script louvável à produção de um
curta como avaliação de seu último semestre na Universidade da Califórnia, em
Los Angeles, uma das mais renomadas faculdades de cinema do mundo.
Aos
vinte e nove anos, Santiago Cabrón estava a um passo de concretizar o sonho de
ser cineasta. Deparava-se atualmente, porém, com falta de tato e inspiração. O
fato lhe alarmava.
–
Não consigo, Larry! – queixou-se Santiago ao colega de quarto.
– Relax,
latino. Se até Vidal teve problemas com Brass, você ainda acha salvação.
–
Não tenho ideias...
–
A sua própria história de vida já é um roteiro, man.
Expatriado
de Cuba, Santiago Cabrón, vivia há oito anos em território norte-americano. Em
seu país, Cabrón era integrante do Hijos de Perras, grupo anárquico
cujos membros infiltravam-se nas engrenagens do governo cubano para divulgar as
controvérsias de Fidel Castro. Cabrón foi perseguido após publicar artigos
sobre a existência de provas do pagamento de Castro a Lee Harvey Oswald para
que este matasse John Kennedy, em 1963. Cabrón pediu asilo aos Estados Unidos
da América.
Todo
esse cenário também lhe perturbava ainda hoje porque alguém o seguia.
Estagiário do jornal La Opinión, a caminho do trabalho, à noite,
Santiago foi abordado por três homens encapuzados; dois o seguraram contra um
muro.
–
Vamos, Sierra! – gritava o terceiro homem, que lhe socava o rosto. – Onde estão
os papéis?!
Sierra.
Alejandro Sierra. O verdadeiro nome de Cabrón. Como sabiam?
–
Não sei do que falam! Meu nome é Santi...
O
homem lhe bateu com um bastão de beisebol, quebrando-lhe duas costelas.
–
Sem gracinhas, Sierra, sei quem você é! Devolva a pasta, pelotudo de
mierda!
Santigo
compreendeu. Eles eram agentes de Raúl. Em 2008, lobos cubanos tiveram carta
branca: todos os inimigos dos Castro seriam caçados. Aqueles capangas queriam o
Dossiê Politburo, documentos acerca da aproximação do governo cubano com o
Partido Comunista da União Soviética nos anos 60, roubados pelo Hijos.
Cabrón
não lhes entregou o material. O agressor cravou-lhe um canivete na jugular. O
corpo de Santiago foi jogado na Hollywood Boulevard. Começou a chover. Santiago
espirrou.
–
CORTA! Porra, Max! Espirrou de novo, caralho! – gritou Müller.
–
Poxa, Müller, desculpa, foi essa água fria... – lamentou Max.
–
Sempre a água, sempre a água! Cadê teu profissionalismo, cara?! Puta merda...
Muito obrigado, pessoal. Graças a Max, por hoje é só, não é, Max?
Müller
dispensou a equipe e todos abandonaram o set. Max permaneceu sozinho no escuro,
limpando o sangue falso em seu pescoço, ainda enfurecido por seu diretor ter
sido rude diante de todos.
Max
Ventura era uma negação. Tentava ser astro do cinema brasileiro desde 1998,
quando fez testes para figurante do programa Zorra Total. No entanto, as
oportunidades não lhe cabiam. Perdera para Vinícius de Oliveira o papel de
Josué, em Central do Brasil, por não ser cabeçudo. Ao encontrar o
ator na rua, a esmo, agrediu Vinícius e ficou detido na FEBEM por quatro meses.
Nas
audições para O auto da Compadecida, Fernanda Montenegro lembrou-se
do espancador de seu jovem colega e recusou-se a interpretar a Compadecida caso
Max Ventura estivesse no elenco. Não se faz necessário dizer o desfecho da
história.
Antecipando-se
para Carandiru, Max implantara próteses mamárias de silicone para
interpretar a personagem Lady Di. Inexplicavelmente a Max, Rodrigo Santoro foi
selecionado ao papel. Por causa dos seios, perdeu Lisbela e o
prisioneiro e Cazuza. Para conseguir pagar a retirada das
mamas, teve de fazer propagandas de sutiãs e campanhas de exame de toque contra
câncer sem exibição de seu rosto.
Suas
derradeiras tentativas foram em 2007, com Cidade dos Homens e Tropa
de Elite. Não se lê “Max Ventura” nos créditos dos filmes.
Cinco
anos depois, interpretava Santiago Cabrón. Ele mal entendia o roteiro. Era um
herói cubano urbano cineasta. Algo assim. Selton Mello havia recusado o papel.
Por que seria? Não importava, ele tinha sua chance de atuar. Ele enfim tinha a
sua chance de atuar. A sua chance de mostrar ao mundo o que era capaz! Enfim!
Todos pagariam por seu atraso! E pagariam caro! Mui-to-ca-ro! Max Ventura planejou
livrar-se dos que lhe haviam recusado suporte até aquele momento. Ele mataria
cada ator que lhe usurpara personagem; cada diretor, produtor e roteirista que
até hoje lhe negara trabalho e começaria por Cacá Diegues.
–
Cacá Diegues? Mas que merda é essa, Tomás? Que merda de história é essa,
Tomás?!
–
Então, Meireles, deixa eu ler de novo pra você, olha só...
–
Ler porra nenhuma! Eu sei ler, caralho! Tô perguntando que bosta é essa!
Monteiro Lobato?! E o que é Kurtz?! Mas que merda de Clingu do... do... do
asteroide de Júpiter? O que é isso? Cocoon?! Que bosta, Tomás!
–
Ô, Meireles, não é bem assim.
–
“Não é bem assim”, cara?! Então que porra de Fidel é essa?! Tá louco, homem? Já
se deu conta da cagada que isso pode dar?! Conspiração cubana?! E a UCLA! Tu pediu
permissão pra usar o nome da Universidade da Califórnia, Tomás?!
Meireles
berrou o fim da frase. Tomás tremia ao lhe apresentar o rascunho com o qual
concorreriam pelo patrocínio da Petrobras através do “Programa Petrobras
Cultural – Seleção Pública de Projetos, edição 2012”, do apoio à produção de
filmes inéditos brasileiros de longa-metragem, realizados ou finalizados em
película cinematográfica de 35mm ou formato digital, de produção independente e
que se destinassem a salas de cinema originalmente.
–
E o título? “Assassinatos na Academia Brasileira de Cinema”?! Que é isso?! Jô
Soares?! Tu tá plagiando Jô Soares, sua mula?!
–
Plagiando nada... Pode ver no CPB... Além do mais, é um título provisório...
Pensei também em “Sangue no Gramado”. O festival, Gramado, Rio Grande do Sul,
sabe?
–
Não, Tomás, não sei de mais nada! Mas que merda, cara...! Um Santiago lá da
puta-que-pariu vem matar gente aqui no Brasil?! Tá louco?! Que coisa mais
patética, seu idiota!
–
Não é Santiago Cabrón, Meireles, é Max Ventura, leia direito...
–
Que resolve matar gente aqui no Brasil? – repetiu Meireles.
–
Não é matar, matar... É só uma brincadeirinha nominal... Homenagem, sei lá.
–
Então você decidiu ridicularizar, digo, brincar com, perdão, brincar
com Hector Babenco, Paulo Morelli, Walter Salles, Wagner Moura,
Montenegro, Santoro, é isso, Tomás? Hein?
Tomás
não respondeu.
–
Tomás, você enlouqueceu? – perguntou o diretor.
Tomás
não respondeu.
–
Tomás, você enlouqueceu – disse o doutor.
Eu
não respondi.
–
Você enlouqueceu e – continuou me dizendo o doutor –, desde ontem você está
aqui conosco, Tomás. Seus filhos acharam melhor interná-lo. Mas não se
preocupe, você poderá vê-los todos os dias.
Não,
eu não estava louco.
Eu
sou apenas um garoto solitário em seu universo particular. Contrariando
convenções, prefiro Hawking, Hobsbawm e Kurtz aos irmãos Grimm ou Monteiro
Lobato.
Deixa
eu te contar uma história, leitor: eu sou astronauta.
Mergulhão
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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?