12 de ago. de 2014

Tricovitrola

Era uma vez uma agulha-tricô.
Posta à janela após morte de avó,
lá quis ficar a fazer companhia
ao cego triste surdo insone avô,
pois assim ambos não seriam só
contos antigos da Má Carochinha.

Mesmo que nada escutasse o bom velho,
não lhe faltava na casa a viola
que junto à velha prestou sua vigília.
Mas eis que num fim de tarde vermelho
o enrugado viúvo a vitrola
deixou tocar uma antiga modinha.

Então agulha-tricô sentiu vida:
ouviu agulha-vitrola soar
e retiniu toda em Si-alegria.
Em meio às notas lhe veio a dúvida.
 Como podia metal bem cantar?
Logo esqueceu malha, lã, fibra e linha;

pel'outra agulha se frivolitou
e fez rotina a canção de sua amiga
toda hora sétima do pôr-do-dia.
Até que a Morte o velhinho abraçou
e seus seis filhos se puseram em briga
por cada bem que o defunto detinha.

Foi assim que vitrola emudeceu;
levou consigo agulha tagarela,
ao que a dos fios macramou-se agonia.
Por pouco tempo, no entanto, sofreu.
Pois viu, manhosa, de sua janela,
haver vitrola na casa vizinha.


Mergulhão
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Frivolitê: técnica de tecer nó e picô cuja sequência forme renda.
Macramê: técnica de tecer fio sem ferramenta.

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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?