24 de set. de 2014

Anarco-íris

Não m’venhas com dor,
incolor,
pois entretons muito somos:
o verde que tu poluis
é o mesmo qu’em teus pulmões;
o negro que tu abnegas
luziu no olhar de tua mãe;
o branco que tu desdenhas
satura os ossos de todos.
Pena de ti,
incolor,
que não pincelas nem prismas,
não comoves ou temperas,
que mal espectra humano
e como um anarco-íris
teimas anular anil,
violentar violetas,
calar o jazz e o blues,
cortar laranja no pé;
coagular os vermelhos
dos cachos de Mary e Kika,
do botão da jeans florida,
de quando o sol já boceja.
Sai do teu quartzo
incolor;
respira o mundo à varanda
para que tu possas outro
 cuja paleta é sem cor 
arcoirizificar.


Mergulhão

18 de set. de 2014

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 1: A criação de Meu Eu.

Livro de Meu Eu (ou M’Eu evangelho). Capítulo 1: A criação de Meu Eu. 1 A produção textual é a transcrição fictícia proveniente da observação do mundo físico 2 e de todos os outros mundos fictícios que o mundo físico cria. 3 É fictícia a transcrição porque nunca se descreverá com totalidade a observação do mundo físico 4 porque aquele que se propõe ser produtor textual não será nem estará observador de todo o seu mundo físico 5 por causa de sua efemeridade diante do tempo e da falta de meios atrelados a este seu tempo 6 para que o observador possa, então, produzir, da observação, texto que reflita a totalidade de seu mundo físico. 7 Assim, a sua efemeridade diante do tempo e a falta de meios atrelados ao tempo 8 provocam coercitivamente, àquele que se propõe ser produtor textual, a necessidade de selecionar o que lhe é conveniente, para que o observador possa, então, produzir texto. 9 Produção textual, esta, que, na verdade, será transcrição, pois. 10 O que torna o observador do mundo físico, na realidade, transcritor; 11 não escritor. 12 Transcritor por seleção coercitiva condicionada ao observador que se propõe ser produtor textual. 13 Não que tal transcrição, sob juízo de valor, seja incompleta 14 – incompleta ou quaisquer classificações afins à incompletude e/ou dela derivadas. 15 Na realidade, é a única forma de se produzir texto quando se é condicionado a sua efemeridade diante do tempo e da falta de meios atrelados a este tempo. 16 Então diz-se produção textual apenas pela macrovisão deste processo 17 para se evitar juízo de valor proveniente do detrimento e do privilégio por sua vez provenientes do juízo de valor proveniente da proposta de paralelo aos atos escrever versus transcrever 18 – e/ou descrever versus transcrever e/ou escrever versus descrever e quaisquer outros atos resultantes da observação do mundo físico – 19 que sejam propostos à atividade da produção textual. 20 Sob a perspectiva da observação, 21 cabe dizer que, caso o seu mundo físico crie mundo fictício, o produtor textual será subtranscritor. 22 Sob a perspectiva de sua efemeridade diante do tempo, 23 cabe dizer que o produtor textual é um provisório transcritor de seu mundo físico. 24 Sob a perspectiva da falta de meios seus atrelados a sua efemeridade diante do tempo, 25 cabe dizer que o produtor textual é um parcial transcritor de seu mundo físico. 26 Aquele que se propõe ser produtor textual é um transcritor observador subalterno, 27 provisório 28 e parcial de seu mundo físico. 29 Aquele que se propõe ser produtor textual de mundo fictício é transcritor observador mais subalterno que o transcritor observador do mundo físico 30 – é, também, não provisório e não parcial enquanto o seu mundo físico criar mundo fictício. 31 Como todo mundo fictício depende de criação que o mundo físico cause, 32 cabe ao subtranscritor ser, antes, transcritor 33 enquanto lhe for possível ser observador subalterno, 34 provisório 35 e parcial de seu mundo físico. 36 E faz-se a luz.


Mergulhão

Olaria (ou Tolete)

Sim, de barro nós somos,
pois por Deus fomos moldados
à Sua Imagem em espelho-narciso:
de Seu Corpo em primários resquícios
ao Seu Ânimo sopro abstrato.

Se do barro vingamos,
por deus fomos, pois, cagados.
Criados se viver não é preciso?
Quem, logo, elaborou princípios
se não houve outra parte ao contrato?


del Praga e Mergulhão

P.s.

Preciso me apaixonar
pela primeira vez
de novo
pelo mesmo
novo
que primeiro
tanto precisei
para me apaixonar
que pela primeira vez
me apaixonei.

P.s.:
Amor assim
eterno
é terno enquanto dura
tanto que dura assim
um infinito ali
mais um infinito lá
e outro
e outro
e...


De meu amigo
Jairo Mouzzez.

16 de set. de 2014

Sobre o pêndulo que caiu no poço.

Todas as suas razões eu já sei de cor.
De estrela, enfim, tornei-me pó
quando o corvo solenemente crocitou
o trágico destino que não vingou.
And at my chamber door,
assim como Poe escutou,
o anúncio inevitável soou:
Nevermore.
A distância
é uma criança
que cresce, às vezes, em menos de um mês.
Um gesto incontido, algo que você nem fez.
Quando se vê, já é muito tarde,
e a despedida se dá sem qualquer alarde.
Um gato preto cruzou o caminho
mas não o responsabilizo por esse azar
e agora, persisto, andarilho sozinho,
já sem esperanças de recomeçar.
Plantei, num jardim, ilusões com carinho
e de uma semente de amor
brotou uma flor...
Do(f)lorida:
Murchou em 5 dias.
Qual foi meu erro?
Um passo para a liberdade:
Conceito tão vago, um ritual, um enterro?
O nunca dura uma eternidade.


De meu ídolo
Lara Utzig.

Vendo amor

A: – Olha o amor! Olha o amor! Vai levar amor, senhora?
B: – Intocado?
A: – Pouco manuseio.
B: – Embalado?
A: – Por serenatas.
C: – Ih, vizinha. Eu tive um que se cansou disso fácil.
B: – Pois é. Meu último morreu de diabetes.
A: – Esse daqui é a prova de males.
C: – Balela, vizinha.
B: – Não; obrigada.
A: – Olha o amor! Quem vai querer?
D: – Ainda na caixa?
A: – Torácica.
D: – Mas esse tá frio.
A: – À noite pulsa.
D: – Como?
A: – Depende do TOC.
D: – Hum. Sei se quero, não.
A: – E quem não quer, não é verdade? Olha o amor!
E: – Olha, Carlos...
F: – Que é isso aí?
A: – Amor, senhor! Levem! Dois perfazem um. E, com mais amor, três.
E: – É sério...?
A: – E com sorte ali da outra banca, gêmeos.
E: – Leva, Carlos... Faz tempo que a gente não comp...
F: – Que porra de levar! Tu entoca tanto dessas porra lá e depois não dá conta.
A: – Amor! Amor! Olha o amor!
G: – Olha, amor.
A: – Experimentem, meus jovens.
H: – Tem na versão gay?
A: – É amor, não há versão. Levem.
H: – Obrigado. Já temos; era só pra constar!
A: – Nenhum amigo precisando?
G: – Verdade, amor. Vamos levar pro Edir. Coitado.
H: – E pro Jair e pro Silas. Marco também, né?
G: – É. Mas cabe neles?
A: – Polissex. Entrando pela cabeça, cabe.
H: – Me veja quatro. Quanto é?
A: – Nada, jovem. Amor não tem preço.
H: – Mas você não vende amor?
A: – Vender? Não! Não vendo. Desvendo. Uma vez desvendado, ama-se.
G: – Tá vendo, amor?! Ainda existe!
H: – Então me dê mai...
(Sirene.)
A: – Toma, moço, leva logo!
H: – Mas o que é isso?!
A: – É a batida, moço! O rabecão! Ele baculeja e quebra tudo! Vão logo!
(Pararam na banca da sorte e assistiram ilesos ao desvendedor atirar amor contra seus agressores vendados.)


Mergulhão

10 de set. de 2014

Erofobia

Descreio do amor.
Não estou de Peixes.
Sou lúcido.
Não como você.
Mas gostaria.


Mergulhão

K-Sutra

Amor
Não sei
Como faz
Vamos
Ah
Isso
Vai
Espera
Assim
Isso
Me
Ai
Vaicaralhovaitudo
MEU
DEUS
Ah
Uh
Pronto
Foi bom
Mais

P.s.: pontuação opcional.


Mergulhão

9 de set. de 2014

para não mais perder por aí, tatuar:

carteira
chaves
celular
cigarro
camisinha
cabeça
culhões
criança
carinho
caminho
coração


Mergulhão

5 de set. de 2014

Bilabial

Ele tinha a melhor boca.
Sabe aquela em que o lábio de cima
cobre suavemente o de baixo?
Pois bem, eis a boca!
Quando falava, era lindo:
boca apertada, no ato-palavra,
parece esgueirar-se com dificuldade.

Ela tinha a pior paca.
Daquelas que o lábio da esquerda
sobra rudemente para fora do queixo.
Pois bem: frouxa paca.
Nela já coube meu mundo.
Hoje, folgada por lida de lavra.
Só satisfaz virgem em juventude.


del Praga e Mergulhão

4 de set. de 2014

Kokoro (ou Ancoração II)

Eu me dei corda
e o coração
galopou longe
minutos muitos
em fricção
e concordata
de oração
com teu kokoro
(que é "coração").
Acordo agora
à 01:00
a qualquer data,
paz afora
 imensidão;
e espero ora
tal qual o monge
calmo copista
(e espero) ora
como Montecchio
e Capuleto
que teu kokoro
(que é "espírito")
seja-me o peso
que fundo ancora
o coração.


Mergulhão

Ancoração

Dê corda
e o amor se enforca
e desembesta
e embala rede
e toca viola
e dá novelo
e une ponto
e lança cuco
e faz rapel
e bungee jumping
e ao peito ancora
o coração.


Mergulhão

3 de set. de 2014

Genésia Aparecida de Assunção

Amou primeiro
desde segunda,
mas foi terceira
naquele quarto.
Pulou do quinto
à hora sexta.
Por ser sabática,
morreu domingo.


Mergulhão

2 de set. de 2014

Com k

Confessem cá:
cês são de fé?

Com fé sem ca,
não sou de fé.

Só sou de fé
que vem com ca.


Mergulhão