18 de ago. de 2013

Bonequinha de luxúria

O batom cereja de Nina Starlet permanecia borrado. As tapas que levava também lhe desbotavam o lápis, a sombra e o cut crease aos olhos. Mas ela continuava marchando au trottoir. Salto catorze quebrado na mão de unhas compridas carmim. Vestido branco diáfano decotado. Pescoço nu denunciando cicatriz à altura da tireoide. Arranjo artesanal de camélias à la Del Rey sobre a peruca humana à la Cyndi Lauper de 1983. Ela só queria alguém que se ocupasse da virgindade que ela tinha praquele dia. Não precisava ser mágico. Afinal, algum poetinha já não disse que o amor só é terno enquanto se está duro. Ou algo assim. Pois bem. Starlet amava seus homens dessa forma. Dependente da cifra. Do terno. Do quanto fossem heteros. Os homens que mais a consumiam. Bastava valer o Gudang Garam antes do banho. A maioria era Vogue: fracos. Assim classificava homens. Batom e lápis borrados não porque os homens de Starlet eram maus. Os homens de Starlet não eram maus. Eles fodiam e trepavam e faziam sexo e amor como deveria ser. Mas os homens dos outros, sim. Esses agrediam. Starlet já estava cansada de levar na cara sem pedir apenas porque não se encaixava em moldes. E os homens dos outros agiam assim. Aos demais, se ela não concluira o Ensino Médio, não foi por conta da dispraxia. Aos demais, o quadro depressivo habitual aos trinta e seis anos não foi consequência das esfoladas de três policiais estupradores. Aos demais, a falta de batismo não foi herança da rotina de orfanatos. Esses a espancavam e ainda a chamavam puta. Esses exigiam colorismo através de cartela de boceta. Esses ordenavam que não houvesse pelos. Esses brochavam quando a calcinha não combinava com o sutiã. Esses menosprezavam os mamilos pretos. Esses abominavam o corpo gordo. Enfatizo: só esses a espancavam e ainda a chamavam puta. Puta frígida, vejam só! Putas eram eles! Os homens do povo! Puta é o povo que aceita pôr na boca o cacete da milícia. Frígido é o povo que se contenta em dedar os palhaços públicos de sua política tão somente na hora de brincarem de urna eletrônica. Puta é quem recebe garganta abaixo o que jorram os laboratórios de hipocrisia disfarçados de templos morais e não compartilha o que tem com o próximo. Jamais, meus caros. Nina Starlet não era A Puta. Ela apenas se divertia com alguns dos filhos desta. Nesses ela sentava. Era então quando Starlet acreditava golpear a sociedade. Convertia filhos de puta em homens seus. Se retornassem, elas os havia ganho. Desses, não mais apanhava. E assim o show deveria persistir. Starlet conhecia o suficiente de impostos e taxas e códigos e tributos e índices e coerções para admitir que estava à margem. Para longe da qual ela não remaria. Não agora. O relógio marcava cinco e quarenta. Cedo demais para remar desta margem. Aprazia-lhe ser bonequinha de luxúria social sem luxo. Acenou às colegas. Beijou a mãe de vida Divanna Doll. Puxou um Vogue e se foi. Nina Starlet voltou para casa. Teria de ser aos vizinhos novamente Dagmar de Buarque até o fim da novela às dez da noite.


del Praga

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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?