O batom cereja de Nina Starlet permanecia borrado. As tapas que
levava também lhe desbotavam o lápis, a sombra e o cut crease aos
olhos. Mas ela continuava marchando au trottoir. Salto catorze
quebrado na mão de unhas compridas carmim. Vestido branco
diáfano decotado. Pescoço nu denunciando cicatriz à altura da
tireoide. Arranjo artesanal de camélias à la Del Rey sobre a peruca
humana à la Cyndi Lauper de 1983. Ela só queria alguém que se
ocupasse da virgindade que ela tinha praquele dia. Não precisava ser
mágico. Afinal, algum poetinha já não disse que o amor só é terno
enquanto se está duro. Ou algo assim. Pois bem. Starlet amava seus
homens dessa forma. Dependente da cifra. Do terno. Do quanto
fossem heteros. Os homens que mais a consumiam. Bastava valer o
Gudang Garam antes do banho. A maioria era Vogue: fracos. Assim
classificava homens. Batom e lápis borrados não porque os homens
de Starlet eram maus. Os homens de Starlet não eram maus. Eles
fodiam e trepavam e faziam sexo e amor como deveria ser. Mas os
homens dos outros, sim. Esses agrediam. Starlet já estava cansada de
levar na cara sem pedir apenas porque não se encaixava em moldes.
E os homens dos outros agiam assim. Aos demais, se ela não
concluira o Ensino Médio, não foi por conta da dispraxia. Aos
demais, o quadro depressivo habitual aos trinta e seis anos não foi
consequência das esfoladas de três policiais estupradores. Aos
demais, a falta de batismo não foi herança da rotina de orfanatos.
Esses a espancavam e ainda a chamavam puta. Esses exigiam
colorismo através de cartela de boceta. Esses ordenavam que não
houvesse pelos. Esses brochavam quando a calcinha não combinava
com o sutiã. Esses menosprezavam os mamilos pretos. Esses
abominavam o corpo gordo. Enfatizo: só esses a espancavam e ainda
a chamavam puta. Puta frígida, vejam só! Putas eram eles! Os
homens do povo! Puta é o povo que aceita pôr na boca o cacete da
milícia. Frígido é o povo que se contenta em dedar os palhaços
públicos de sua política tão somente na hora de brincarem de urna
eletrônica. Puta é quem recebe garganta abaixo o que jorram os
laboratórios de hipocrisia disfarçados de templos morais e não compartilha o que tem com o próximo. Jamais, meus caros. Nina
Starlet não era A Puta. Ela apenas se divertia com alguns dos filhos
desta. Nesses ela sentava. Era então quando Starlet acreditava
golpear a sociedade. Convertia filhos de puta em homens seus. Se
retornassem, elas os havia ganho. Desses, não mais apanhava. E
assim o show deveria persistir. Starlet conhecia o suficiente de
impostos e taxas e códigos e tributos e índices e coerções para
admitir que estava à margem. Para longe da qual ela não remaria.
Não agora. O relógio marcava cinco e quarenta. Cedo demais para
remar desta margem. Aprazia-lhe ser bonequinha de luxúria social
sem luxo. Acenou às colegas. Beijou a mãe de vida Divanna Doll.
Puxou um Vogue e se foi. Nina Starlet voltou para casa. Teria de ser
aos vizinhos novamente Dagmar de Buarque até o fim da novela às
dez da noite.
del Praga
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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?