18 de jun. de 2012

tinta em papiro


Pincelada

Num céu muito alvo, de nuvens diamantinas,
as brisas dançam, tão rosas e serenas.
(São minhas folhas, sem linhas, em branco,
à espera de letras, com as quais sempre brinco).

No céu cristalino, de nuvens transparentes,
ventos d’ouro do oeste se chocam com os lestes.
(São as fontes bem-vindas da inspiração,
que vêm, todas puras, ao meu coração).

Logo pontos cinzentos o ar já coalham,
por todo o firmamento com pressa se espalham.
(São as palavras que correm à ponta do lápis,
tornando real o que me deixa feliz).

Chuva prateada não tarda a cair.
Azulada e turquesa, anil a fluir.
(São as lágrimas minhas que molham o papel,
diante da alegria da essência do possível).

Então vermelhíssima ave aparece.
Deixa–me confuso, a alma entorpece.
E de tão grandiosa, por todo o céu vagueia.
(O que seria?)

Pincelada II

Sentado em raízes de puro marfim,
de tronco castanho, folhas esmeraldas,
eu sinto o orvalho das flores molhadas,
a brisa bem fria chegando até mim.

Onda amarela de um rio com espumas
detém-se na areia que o branco irradia.
Consigo ouvir a etérea melodia
do ferver entre ambas, de notas algumas.

Ao longo aprecio o deitar de uma tarde.
Horizonte em terna harmonia mesclado,
de azul que aos poucos se torna pesado
com rosa ou dourado ou vermelho que arde.

E no meio de doce mistura tão linda
apresenta-se o sol que então vai embora,
em seus últimos raios laranjas demora,
mas traz o conforto do calor ainda.

Eis que reina o escuro veludo da noite.
Estrelas de bronze que acendem e apagam
ao lado das nuvens cinzentas que vagam
no negro cenário do enorme diamante:

Ah, Lua... brilhante e redonda e lavada de prata!
Jogue-me a cascata de seu véu diáfano
e embale-me a cores de um sonho sereno.
Tire o tom da tristeza que a vida só mata.

Pincelada III

Vinho tinto em linho branco.
Vermelho-sangue em lençóis alvos.
Grito agudo em noite escura
como dourado em prata pura
de um mesclado fulgurante
nem tão mesclado ou todo brilho.

Assim foi-se amor maduro
que antes refulgia rosa
e emanava claro azul.
Mas tempestades cinzentíssimas
obscuramente negras
escureceram tonalidades.

Negrume antes cristalino,
opaco outrora diáfano,
gris um dia diamantino
agora totalmente baços.
Nunca mais tão transparentes.
Nem meio-tom, mas cores mortas.

Tragédia a sombras ocultas
de marrom em morto mármore,
ônix indestrutível.
Escuríssima fatalidade
mais que simples ou translúcida,
agora somente letal púrpura.

Pincelada IV

O morrer da noite:
abaixo do negro reinante
que antecede o cinzento,
existe o obscuro portento
da gema em prata brilhante.

O nascer do dia:
de gris a um azul, irradia.
O claro bem lento aparece,
em ponto amarelo já aquece
anil de perfeita harmonia.

O crescer da tarde:
vermelho latente que arde,
laranja que explode em calor
no branco de invisível dor
que enceguece e queima e invade.

O crepúsculo:
índigo e verde esmeralda num ósculo.
Lilás topázio em magenta se torna.
Um último raio dourado adorna
o céu antes alvo, escuro num pulo.

O reinar da noite:
escuridão nada fria ou temente,
em madrugada que serve de império
ao diamante de doce mistério,
a começar ciclo de cor vivente.

Pincelada V

O céu ametista chorava granadas.
No chão, somente poças turmalinas.
A terra que antes de marrom só brilho
tornou-se rubi afogado em vermelho.

As brancas nuvens de alvo cristal,
agora jazem num cinza metal
e aos poucos viram tão negras e escuras
que ao seu lado sombras ficam puras.

O sol e a Lua num mesmo sentido
desmancham-se em grosso filete dourado
e em pingos de prata não mais fulgurantes,
pendentes no ar de negrumes bem tristes.

As folhas de vida em jade e esmeralda,
alternância de verde tão bem misturada,
ficaram densas em limoso lodo
da raiz ao tronco já enegrecido.

Morre então a vida em breu.
Sentimento em nuanças descoloriu.
Deixam calados gradação e matiz
o mundo em tela que mal não fez.

Pincelada VI

Tudo está bruno;
o espelho das águas, escuro.
O ar ao redor, negro puro.
Nenhum resquício albino.

Instantes depois o diamante
surge em alma cristalina,
véu de uma cauda argentina
e prateado brilhante.

O cinza explode sozinho,
ao breu de todo contrário:
um fulgurante mercúrio
como metal bem clarinho.

Porém, nuanças passaram
e o reinado obscuro
tornou-se então amarelo
e transparentes ficaram.

Tudo fica breno;
agora a essência, vermelha,
de um laranja em centelha
queimando dourado pleno.

Como rubi trescaldante
logo violeta se torna,
magenta, púrpura morna.
Crepuscular refulgente.

Mas tonalidade em vida
não cessa e de novo nasce,
morre e de novo rompe-se
em profusão colorida.

Pincelada VII

O vítreo céu de pérolas quebrou sobre mim.
Chuva diamantina caiu em brilho.
Vi estrelas despencando do firmamento,
batendo no chão e por divisão crescendo.

Oceanos turquesas inteiros secaram num átimo
mas logo voltaram por todos os lados
em extensos filetes anis correntes, flutuantes
como gigantesca teia azul de aranha-mundo.

A magnitude verde dança à brisa suave
e tudo ao redor fica coalhado de folhas,
essência verde e vermelha e amarela
pairada no ar em mistura de tons.

Lua e sol difundem seus raios,
fazem prata e ouro em aquarela,
cabelos em caracóis e cachos
de perenes fios metálicos áureos.

Pincelada VIII

A esmeraldina luz de seus olhos
opaca fica quando o vermelho quente
inunda nossos pés.
Vejo seu corpo alvo não mais
aguentar a dor mais que física
e estatelar-se na relva de verde vivo.
Então sua cabeça dourada pende
e o sorriso ofuscante se apaga.
Uma gota de lágrima em mais puro anil
percorre seu rosto, agora branco e frio
e perde-se em seus lábios de escuro rosa.
Somente o azul céu fica por testemunha
pois nem a triste chuva cristalina
consegue levar embora o suplício.
Mas não adianta:
ela jaz em rubi letalmente brilhante.

Pincelada IX

Lindíssima vida escura.
O negrume do nada irradia
e enceguece quem o contempla.
A essência do negro explode
em escuridão perfeita.
Se a treva fosse cor,
beirando grafite seria.
Se a morte fosse dor,
a noite imitaria.
Lindíssima vida escura.

Mergulhão

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– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?