16 de jan. de 2013

Pesadelo de Simão

(em pesar à SECULT/AP; vide rodapé deste)

O garoto Simão inquieto acordou na cinzenta manhã de 11 de janeiro. Como lia muito, apaixonado por histórias que era, adormeceu torto, com Monteiro Lobato sobre o rosto, e assim ficou até acordar; inquieto. Ele havia sonhado. Ou quase isso. Não havia sido um sonho bom. Há dois anos, sua mãe lhe disse que, sonho que não se sonha bem, sonho não é; é pesadelo.
Simãozinho em geral sonhava com cenários radiantes: espaços alegres como parquinhos, o corredor da escola na hora do recreio, o terreno da bola com os amigos. Sonhava também com a natureza. Animais e homens juntos sob o sol. E chuva! Adorava sonhar com chuva!
Então aquele janeiro ele temeu, pois testemunhou sua cabeça criar, como literatura torpe, um lugar hipócrita. Ele não sabia ao certo o significado dessa palavra. Nunca a vira nem em Esopo. Mas ouvira sua mãe pronunciá-la ao seu padrasto e decorou-a. Hipócrita.
No lugar da chuva, Simãozinho viu treva.
Simão pesadelou que vivia em uma cidade-livro, onde texto bom era texto que não tecia como contexto seu um discurso em dano à honra, à moral e aos bons costumes de terceiros e da sociedade. Afinal, quem necessitaria saber que, em 2011, José Sarney, o presidente do Senado brasileiro, usou, segundo o jornal Folha, helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para visitar sua ilha particular? Quem necessitaria? Ora, ninguém. Talvez apenas o pedreiro que esperou, com traumatismo craniano e clavícula quebrada, Sarney desembarcar para que a aeronave o levasse a algum hospital de São Luís.
No novo mundo de Simão, textos não careciam de fatos assim. Não mesmo. Muito menos teimavam na promoção política de candidatos e seus partidos políticos. Getúlio Vargas, por exemplo, coitado. Peito materno à prole; mão paterna ao rato burguês. Nunca mais sofreria referência. Por que não exaltar o pastor que muito fez por seu curral? Porque não. Galanteios nunca mais.
No novo hoje de Simão, pessoas não mais precisariam de qualquer informação sobre pedofilia e bullying. Mais palavras sem uso porque atos assim não ocorreriam mais. Não mais era útil saber que o Disque 100, ou Disque Denúncia Nacional, é o serviço telefônico gratuito que recebe denúncias de violência também contra crianças e adolescentes, diariamente, de 8h às 22h, desde 1997.
Implodiram o terrorismo. Este não mais merecia sequer debate sadio ou registro a netos de netos. Homens santos desmentiram holocaustos. Logo, dito ficou: nada existiu. Assim, esqueceram-se das crianças mudas telepáticas; não havia mais jardins de rosas-Hiroshima. O que ainda ocorre nos cantos da terra do sol oriente é guerra santa. Santidade em guerra. Não terror. Temor, sim. Fé, talvez. Deus. Plural, às vezes. Deus, porém.
Por que falar de substantivos abstratos? Amor. Consciência. Cultura. Se algo não existe firmado em concreto – de lares, em lares –, falar para quê? Para quem?
Cobriram a pornografia porque chanchada não vendia mais. Termo de boa vizinhança assinaram as etnias. Todos eram, enfim, perante olhos humanos, iguais. Homens e animais só eram mercado da paz.
Abstrato seria quem proferisse o inverso. Calado deveria ser. E nada publicar.
Simão acordou. Desde então não era pleno nem se compreendia. Dormiu ainda por muitos anos abraçado ao mesmo pesadelo – que de fato acontecia. Acordou ainda pelos mesmos muitos anos espectador da hoje crível hipocrisia:
não há terror
em ser imoral;
falta pudor
e, às leis, fiscal;
batem no gay,
no preto, no crente,
no hermano sensei.
Entorpecente
é farinha de feira.
República há anos
da mesma maneira.
Perdidos humanos.
Simãozinho tinha de falar sobre tudo isso. Seria a última vez que dormiria.

Mergulhão

______________________________________

"Subitem 1.6, do item 1, do objeto, do Edital nº. 001/2013, ‘Edital de Criação Literária – Simãozinho Sonhador’, do Governo do Estado do Amapá, através da Secretaria de Estado da Cultura, lançado em 11/01/2013, em Macapá, Amapá, Brasil:
(...)
Os projetos concorrentes não sofrerão quaisquer restrições quanto à temática abordada dentro da sua categoria, desde que não caracterizem:
a) promoção política de candidatos e/ou partidos políticos;
b) dano à honra, a moral e aos bons costumes de terceiros e da sociedade;
c) pornografia;
d) pedofilia e bullying;
e) discriminação de etnia, por orientação sexual e/ou religiosa;
f) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
g) terrorismo;
h) tráfico de pessoas e animais."

Um comentário:

– – – – – – – – – – – – – – – – – – o que viu nessa estrada?